Hoje acordei em um daqueles dias de mulherzinha que você tem a necessidade de revirar seu passado. cartas, filmes que você aluga porque lembram sua infância, sentimentos que você pensou estarem mortos e enterrados, mas... enfim, um daqueles dias de regredir e ser seu próprio abandono, tudo o que deixou para trás por não aguentar mais carregar consigo.
Ainda deitada, olhei ao redor e pude ver objetos e sentir presenças que, não estando ali no momento, há alguns anos estavam. Pude ver você, com aquele sorriso torto e o cabelo bagunçado que eu tanto adorava dedilhar. Pude ver seus olhos arderem no quarto que, mesmo com tanta gente, parecia suficientemente vazio pra me fazer ceder ao desejo e me entregar completamente.
O engrçado nisso é que, apesar de poder descrever cada detalhe das cenas como uma boa observadora faria, não cnosigo ter a sensação de que era eu lá, que eu vivi tudo aquilo. É como se eu e você juntos formassemos um terceiro alguém chamado Nós, que mesmo sendo metade em mim, morreu. E todas aquelas sensações que também são dele me deixaram sem nem devejarem boas festas à quem lhes abrigou por tanto tempo. Maldito Nós ingrato! Logo eu que tanto me doei, que me deixei levar desesperadamente, só recebo lembranças incompletas, arquivos corrompidos de computador.
Hoje, conversando com você, senti o Nós querendo ressucitar, mas não permiti. Matei a pontinha de vida que havia ali e me senti a mulher mais vingada do mundo. Sabe por quê? Porque depois de tudo o que ele tirou de mim, seria muito esperar que eu o alimentasse outra vez, esperando que ele me jogasse no chão e eu chorasse. Mesmo que eu quisesse, mesmo que cada parte de mim pudesse morrer por isso, eu fui mais forte dessa vez.
Sabe que, apesar dos pesares, agora aqui, sentada no tapete de péle de leopardo que a vovó me deu no natal retrasado, encontrei meio sem querer a caixa de bombons em formato de coração que você me deu no nosso primeiro e único ano de namoro e, mesmo ela sendo brega e o amor mais ainda, me peguei imaginando como seria bom sentir o teu corpo quente encostado no meu outra vez. Ainda. Sorte a minhã não acordar assim com frequência!